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A Sociedade de Consumo e a alienação consumista no capitalismo tardio

out 16

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Consumismo

A sociedade industrial e a sociedade de consumo são indissociáveis, tal como a indústria e a urbanização, como referia LeFebvre. A abundância da mercadoria que domina a segunda, só é possibilitada pela primeira, ou seja, é a sociedade industrial, centrada na cidade, como sede do poder económico, concentrando as fábricas e os excedentes de capital e de mão-de-obra, que cria as “novas formas de controlo” da sociedade de consumo. Guy Debord refere que o consumo é prossecutor e sucessor do trabalho, tornando-se para as massas, na fase de “Segunda Revolução Industrial”, “um dever suplementar à produção alienada”. A exploração e a dominação são encobertas por uma máscara de liberdade ilusória, ou seja, apesar dos diferentes mecanismos de controlo, as relações de dominação impostas pelas classes dominantes, detentoras dos meios de produção e dos “novos meios de controlo”, responsáveis pelo desenvolvimento e reprodução da “Sociedade de Espetáculo” e, consequentemente, pela difusão da lógica de alienação, persistem por detrás de um disfarce de liberdade ilusória. Debord denomina esta liberdade ilusória como “liberdade ditatorial do mercado”.

A relação íntima entre o espaço urbano e a sociedade de consumo pode ser percecionada em dois níveis: a paisagem e as relações sociais. A paisagem urbana tem vindo a revelar uma rápida metamorfose desde a Revolução Industrial, com a apropriação capitalista do espaço, transformando-o, através do urbanismo, no seu espaço cénico, segundo Debord. O automóvel, “objeto-rei” da sociedade de consumo, segundo Lefebvre, impos a sua “ditadura”, na expressão de Debord, sobre o espaço, conquistando o quotidiano e impondo a sua autoridade, como é visível na prevalência da autoestrada e na adaptação das cidades ao automóvel, preconizada por Le Corbusier. Além das mudanças trazidas pelo automóvel e pelas mantas de asfalto, a paisagem urbana foi também moldada pela mercantilização consumista do espaço público, citando Lefebvre, “a rua virou vitrine”, afirmando-se como um espaço cénico, como já foi referido. Os shopping centers e supermercados passam a afirmar-se como um centro organizador e aglutinador da malha urbana, com estes também se afirma a “ciência da vitrine”, expressão de David Harvey para realçar a dimensão calculada e simbólica desta. Segundo Baudrillard, as vitrines procuram um “encantamento calculado”, ocupando um espaço que “nem interior nem exterior, nem privado nem totalmente público”, mas o suficientemente exposto, através da transparência da janela, para encetar um processo de comunicação com o olhar dos potenciais consumidores. Quanto às relações sociais, o mesmo autor refere que a sociedade de consumo não só molda a relação entre o ser humano e o objeto, como também molda as próprias relações sociais, favorecendo a atomização e a diferenciação, ao invés da solidariedade. Georg Simmel enfatiza a distinção entre espaço urbano e urbano rural com base nesta diferença que atua ao nível da consciência, manifesta na oposição entre a solidariedade do espaço rural e a atomização e atitude de reserva que governam a vida urbana. Esta atitude de reserva assenta essencialmente na aversão e na “repulsa mútua”, e não tanto na indiferença.

O espetáculo é o “clímax” da sociedade de consumo, que se afirma como a uma fábrica que aliena o consumidor, tal como o trabalho alienava, e continua a alienar, o trabalhador, a par ainda da alienação política, produzida pelo Estado, identificada por Erich Fromm. A união destas três formas de alienação levou-o a concluir que a sociedade atual é marcada por uma alienação quase total. Entre as formas, a alienação consumista é certamente a que tem mais sucesso nesta fase de capitalismo tardio, pela sua imagem de liberdade fictícia, capaz de obscurecer o seu poder quase total sobre toda a vida, como alerta Baudrillard. Como foi suprarreferido, a mercadoria é o principal instrumento de dominação, surgindo como criadora de uma sociedade bovarista de espetáculo que torna o individuo cada vez mais incapaz de compreender a sua própria realidade, preferindo a representação, ou “a imagem à coisa”, o que degrada o seu próprio “ser”, como assinala Debord. A “vida social real” adquire ela própria, como alerta Zizek, características de uma “farsa encenada”, engolindo o individuo através daquilo que que Marcuse denomina como “funções parasitárias e alienadas”, que incluem a publicidade, a doutrinação e a obsolescência e desperdício planeados, que descreverei de seguida.

A publicidade serve como pedra angular de todo este sistema, permitindo o avanço totalitário da lógica da mercadoria sobre todos os níveis da existência humana, colonizando não só o espaço físico, mas também o espaço mental, o que permite a reprodução das lógicas de dominação. A publicidade, enquanto ideologia, com linguagem, retórica e símbolos próprios, segundo Lefebvre, protagoniza a “fabricação ininterrupta de pseudo-necessidades”, citando Debord, também denominadas por Marcuse como “necessidades repressivas”, em contraposição com as “necessidades vitais” (autenticidade, liberdade e bem-estar humano genuíno), que são colocadas em segundo plano pela sociedade de consumo. As necessidades repressivas são produzidas ininterruptamente para a integração do comportamento e do pensamento das massas na cultura dominante, contendo as mudanças sociais ao cultivar o conformismo, encoberto pela atividade social frenética, segundo Zizek. A “fabricação ininterrupta de pseudo-necessidades” é permitida pela busca interminável pela diferenciação, que guia o consumismo, esvaziando os objetos da sua importância funcional em proveito da sua dimensão simbólica, o que alimenta a competição entre os consumidores empenhados na busca pela diferenciação em relação aos outros, o que cria um sentimento de insatisfação constante, parafraseando a metáfora de Fromm, vivem sempre de boca aberta. A lógica inerente à sociedade de consumo é assim uma geradora continua de stress, individualismo, atomização e competição. A obsolescência e o desperdício são indissociáveis desta dialética consumista, ou seja, a “civilização do lixo”, referida por Baudrillard, é estimulada pela própria cultura do consumo, com o seu culto à efemeridade, como está bem patente na publicidade aos seguros de carros.

A lógica do consumo e da mercadoria consegue mesmo apoderar-se do corpo, particularmente do feminino, que se torna num local e num objeto de consumo, um palco da teatralidade da sociedade de consumo, onde sobre o qual atuam os preconceitos de beleza, de moda e de higiene corporal, e as respetivas indústrias. Segundo Fromm, o corpo e as suas qualidades são transformados em mercadoria e em capital, e o seu valor passa a depender de fatores externos. O próprio tempo livre, ou de lazer, outrora “reino da liberdade”, segundo Baudrillard, não escapou à penetração da lógica da mercadoria na sua gestão e ocupação, como é possível perceber pela crescente importância de afirmações como “o tempo e dinheiro”, ou de expressões como “orçamento do tempo”. Este tempo passa então a sujeitar-se às mesmas leis e normas que regem o tempo de trabalho, transformando-se em tempo de consumo e, portanto, em tempo de produção, produzindo valor, o que é contrário à passividade associada ao lazer.

No seu livro sobre as mudanças ocorridas na cidade de Paris durante o século XIX, intitulado Paris, capital da modernidade, David Harvey apresentou o Segundo Império Francês (1852-1870) como um exemplo histórico claro de utilização política do espetáculo para a contenção e controlo do ímpeto revolucionário das massas. Segundo o mesmo, “os espetáculos socialmente controlados do Segundo Império planejavam substituir, transformando participantes ativos em espectadores passivos.” As grandes festas, as exposições e outras cerimónias, mais do que celebrar algo, procuravam aumentar o controle sobre as massas e alimentar a legitimidade imperial, após um período marcado pelas revoluções, como foi o período entre 1789 e 1848, ficando mesmo eternizado pelo livro de Hobsbawm como A Era das Revoluções. Um dos principais fatores que levou à abertura das grandes bulevares foi o objetivo de garantir um maior controlo, face aos anteriores becos, que facilitavam a livre circulação das “classes perigosas”, além disso, estas, ao serem ocupadas por uma série de vitrines de lojas, tornaram-se um grande palco de mistificação e de teatralização do espaço público. Porém, assistir-se-ia à “rebelião das ferramentas”, com a mobilização, por parte de oposição, da mesma teatralidade e espetáculo contra o próprio Império, o que ficou bem patente no enterro de Victor Noir, um jornalista republicano assassinado em 1869 pelo sobrinho de Luís Bonaparte, contando com o comparecimento de mais de 20 mil pessoas.

Autor : Proença

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