Grupo de Ação Revolucionária Antifascista
A democracia? Uma máquina para triturar lutas sociais.
out 10
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Embora tenha sido escrito por um ativista do GARA, reflete uma posição individual e não necessariamente a posição do coletivo.
Se existe um conceito incontornável ao qual cada um se refere seja qual for o sítio ou o nível de organização em que esteja, é a democracia. Impossível criar uma associação de bairro, um sindicato, um clube de leitura ou de cartas sem que a um momento ou outro, a expressão seja usada para definir o modo em que se tomam decisões. Impossível conceber a organização da vida associativa sem que a palavra seja usada como garantia de justiça social. Impossível para um Estado ser integrado num “conceito das nações” sem que esta marca da qualidade de respeito pelos direitos individuais que é a referência à democracia. A “democracia” é o conceito político sobre o qual assenta toda organização social dos países ditos “ocidentais” que gostariam de impô-la hoje ao resto do mundo em nome de uma suposta universalidade civilizatória.
Mas é preciso questionar-mos-nos sobre o conteúdo da função deste modelo político, já que é evidente que a sua prática deixa a desejar e aparece apenas, na maioria das vezes, como o menos pior dos sistemas. Podemos nos contentar com isso e pretender fazer disso um esquema universal? Podemos ter sérias dúvidas. O princípio democrático assenta na ideia de que cada indivíduo pode e deve poder dar a sua opinião sobre a sociedade na qual está inserido. Na verdade, esta ideia não é própria do sistema democrático, mas está presente em todos os continentes, porque de uma forma ou outra as necessidades e opiniões de cada um devem ser tidas em conta na regulação das relações sociais, sob pena de ver explodir ou implodir a sociedade em questão.
O problema não é por isso afirmar um princípio mas sim de saber como as estruturas organizacionais e de decisão que dela decorrem traduzem as opiniões e necessidades exprimidas por cada associado. No modelo democrático, toda a gente pode exprimir-se, é um facto, mas este modelo afirma em simultâneo que é preciso tomadores de decisões para meter ordem na cacofonia das opiniões emitidas, e este pode de decisão (reservado a um pessoal com forte propensão a auto-reproduzirem-se) é legitimado pelo voto dos eleitores. É simples e limpo em si, se esquecermos que a escolha dos eleitores vai ser condicionada por vários fatores que confundem as cartas e as questões. Em particular, o lugar e a função de cada um de nós na estrutura sócio-económica. Teremos realmente a liberdade de escolha quando a nossa sobrevivência diária depende de uma rede de relações económicas que não controlamos ? Teremos realmente a liberdade de escolha quando toda a nossa educação social destrói a iniciativa e a capacidade crítica individual ? Em última análise, a democracia é uma máquina para triturar e esmagar as aspirações sociais, de modo que, confrontados com a futilidade dos nossos esforços individuais e coletivos para melhorar as coisas, abandonamos as nossas vidas nas mãos das classes dominantes.
Foram as revoluções francesas de 1789 e 1793 que introduziram a noção de igualdade política sem que as relações económicas entre indivíduos e entre grupos sociais fossem afetadas. Desde então, ao longo das reivindicações e dos discursos eleitorais, o direito ao voto foi estendido a todos os segmentos da população, apresentando-o cada vez como um avanço social decisivo. Já se fala há algum tempo em aumentar esse direito de voto ao baixar a idade mínima para os 16 anos ou estendendo este direito aos imigrantes. Esta é a melhor forma que a burguesia encontrou para restringir, conter e limitar a noção de igualdade apenas ao campo político, sem nunca se colocar a questão de estender esta igualdade ao campo económico e social. A democracia foi e ainda é o melhor garante ideológico da sustentabilidade de uma sociedade de classe. Não é, portanto, surpreendente que a nossa sociedade capitalista promova a ideia da democracia. Impõe-na a nível internacional, exigindo eleições democráticas controladas na África do Sul, na Argélia ou na Rússia, por exemplo. Ela planeia aqui, com projetos de desconcentração de poderes pomposamente chamados de “regionalização” ou “aprofundamento da vida municipal”, com propostas de referendos locais, por exemplo. Ao mesmo tempo, tenta reintroduzir noções antigas, como partilha, equidade, subsidiaridade. Tantas palavras vazias, destinadas a dar sentido moral às desigualdades. Sobre essas questões, os nossos democratas ainda podem encontrar algo para trabalhar, mas como, ao mesmo tempo, todas estas reestruturações provocam convulsões sociais que destroem redes e tradições, não é certo que encontraremos o que procuramos. A democratização da sociedade de classes tem os seus limites e o número daqueles que não são mais enganados por ela aumenta significativamente. A democracia - por outras palavras, o conceito de igualdade política - deu tudo o que tinha para dar. Ela não tem mais nada para nos dizer ou nos dar esperança. Por outro lado, a extensão da noção de igualdade aos domínios económico e social continuar por alcançar. A ideia de igualdade económica só pode ganhar importância e interesse para toda esta massa de pessoas que sofre diariamente os efeitos de um sistema que está a dar as últimas e que aspira a mais justiça nas suas relações sociais. Para fazer isso, seremos levados a desafiar radicalmente a democracia e a substituir por outros conceitos de regulação social. Chamaremos isso de “comunismo libertário ou anarquia”. Resta concretiza-lo.